Bioespeleologia

A Bioespeleologia é o ramo da Biologia que se dedica ao estudo dos seres vivos que ocorrem no ecossistema cavernícola.

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1. Factores climáticos importantes

A luz permite caracterizar a gruta em 3 zonas muito importantes do ponto de vista bioespeleológico.

Esquema das 3 zonas

A Temperatura apresenta variações diminutas e é, normalmente, igual à média das temperaturas anuais exteriores.

A Atmosfera cavernícola é normalmente rica em CO2. A circulação de ar dentro das cavidades depende das correntes de convexão, massas de ar quente e frio, do número de entradas, da pressão atmosférica exterior, da dimensão e forma das galerias, entre outros factores.

A humidade relativa do ar é próxima da saturação.

exemplo de uma cavidade cársica

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2. Dados históricos

O mundo subterrâneo, desde cedo, cativou o homem e muito se extrapolou sobre monstros que habitavam as profundezas das cavernas.

Proteus anguinusA história da bioespeleologia começa em 1689,
quando Barão Johann Weichard Valvasor descreve a existência de um 'dragão'
que habita o mundo subterrâneo, que 79 anos depois é descrito por Laurenti
como sendo o anfíbio troglóbio Proteus anguinus.

coleóptero cavernícola, Leptodirus hochenwartiiEm 1831, o Conde Franz von Hohenwart
recolhe o primeiro coleóptero cavernícola,
Leptodirus hohenwartii.

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Ainda no século XIX, Schiodte publica "Specimen Faunae subterraneae", uma extensa obra onde descreve e introduz o conceito de Espeleobotânica, que viria a cair em desuso pelo facto das plantas apenas habitarem as zonas de entrada penumbra das cavidades.

Só em 1904, Armand Viré introduz o termo Bioespeleologia.

Em 1949, Renné Jeannel funda, em França, o Laboratório Subterrâneo de Moulis.
Emil Racovitza (1868-1947) de nacionalidade romena, é considerado o pai da bioespeleologia. Com os seus discípulos realizou mais de 50 expedições por toda a Europa, América e África. No ano de 1907, publica "Essai sur les problemes biospeologiques", obra dedicada à problemática do estudo de troglóbios, que marca definitivamente a individualização do estudo da fauna cavernícola.
Em 1965, A.Vandel, na altura director do laboratório subterrâneo, publica "Biospéologie, la biologie des animaux cavernicoles", uma obra de referência incontornável, que recolhe a maioria da informação até à época.

Em 1980, é descrito pela primeira vez o Meio Subterrâneo Superficial (MSS), abrindo novos horizontes à biologia das espécies hipógeas e alargando enormemente a sua área de distribuição, que se julgava anteriormente, confinada às cavidades.

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3. Flora cavernícola

Não se pode falar de uma flora cavernícola propriamente dita, porque sendo dependente da fotossíntese, a flora está confinada à zona iluminada e de penumbra, sendo incapaz de sobreviver na zona profunda. Esta exibe uma gradação quanto à sua distribuição em função da abundância de luz: plantas superiores, seguidas de Briófitos e algas endolíticas.

Fenómeno de fluorescência, zona de penumbra
Fenómeno de fluorescência, zona de penumbra

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4. Fungos

Os fungos desenvolvem-se por cima de matéria orgânica, digerindo-a. Por um processo de digestão extracelular, os fungos excretam enzimas digestivas sobre a matéria orgânia.

São mais comuns em zonas de aporte de matéria orgânica. Estes formam esporos que só germinam em condições favoráveis.


Fungo desenvolvido sobre dejectos de rato
no interior de uma cavidade vulcânica

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5. Comunidades bacterianas

São os organismos vivos mais abundantes no meio cavernícola.

Nas zonas com luz existem cianobactérias, bactérias fotossíntéticas, que em muitos casos, vivem dentro da rocha (endolíticas).

As bactérias heterotróficas ocupam-se da decomposição da matéria orgânica.

As bactérias quimiolitotróficas vivem nas argilas e nos calcários e produzirem matéria orgânica a partir de matéria mineral.

As nanobactérias, de dimensões ínfimas são abundantes em rochas e minerais e muitas delas, são responsáveis for fenómenos de precipitação do carbonato de cálcio, aparecendo associadas a múltiplas formas de concreções subterrâneas.


Colónias de bactérias quimiolitotróficas, 'Cave Slime'

 

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6. Fauna cavernícola

Podem-se classificar os animais, com base na forma como utilizam o ambiente cavernícola.

Os termos: troglóxenos, troglófilos e troglóbios, são utilizados para definir categorias ecológicas.

Trogloxenos:

São habitantes ocasionais, podem ser encontrados nas grutas devido a mudanças de condições climatéricas exteriores ou por acidente. Os mais comuns são os anfíbios, os répteis e uma grande diversidade de invertebrados.

Salamandra
Salamandra salamandra


Troglófilos:

São animais que não vivem exclusivamente nas cavernas, mas que as utilizam em fases do seu ciclo de vida, para abrigo ou reprodução. São exemplo, várias espécies de morcegos, a gralha-de-bico vermelho e uma quantidade imensa de Artrópodes.


Ischyropsalis sp.

Scolopendra sp.



TROGLÓBIOS - os verdadeiros cavernícolas:

São organismos altamente especializados e perfeitamente adaptados ao meio subterrâneo, sendo dele exclusivos. A maioria pertence ao filo Arthropoda (ex: aranhas, centopeias, peudoescorpiões, insectos).

Aranha troglóbia do Maciço Calcário Estremenho: Nesticus lusitanicus
Aranha troglóbia do Maciço Calcário Estremenho: Nesticus lusitanicus


Estes organismos exibem troglomorfismos - adaptações ao meio subterrâneo, são de tal forma especializados que não sobrevivem na superfície. Por se encontrarem adaptados às condições estáveis do meio cavernícola, são altamente sensíveis a perturbações. Para fazer face à escassez de recursos alimentares, os troglóbios criaram estratégias de desenvolvimento que passam pela poupança energética.

A sua única garantia de sobrevivência é a conservação integral do meio em que vivem.


Aranha troglóbia de Tenerife: Dysdera unguimannis

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7. Morcegos cavernícolas e Fauna do Guano
Morcegos cavernícolas

São, provavelmente, os habitantes mais conhecidos do meio cavernícola.


Morcego de peluche - Miniopterus schreibersii
Algar do Ladoeiro


Os morcegos são mamíferos da ordem dos Quirópteros. Estes não possuem asas, voam recorrendo a uma membrana interdigital. Têm uma visão reduzida e orientam-se por um processo de ecolocação, emitindo ultra-sons pela laringe que são captados após reflecção e se baseia-se no fenómeno físico do Efeito de Doppler.

Estes mamíferos hibernam no Inverno, sozinhos ou em colónias, conforme a espécie. Nos climas temperados alimentam-se, essencialmente, de insectos.

Colónia de morcego-rato-grande
Colónia de morcego-rato-grande Myotis myotis

Gruta do Almonda

Morcego de ferradura-grande
Morcego de ferradura-grande Rhinolophus ferrumequinum

Gruta da Fujaca

Os morcegos são vectores de doenças graves, como a raiva (através da mordedura) e a histoplasmose e criptococose (por via aérea, através de esporos existentes no guano).

Fauna do Guano:

A existência de excrementos de morcegos suporta um tipo comunidade designado, Fauna do Guano que é composta pelos Guanóbios, que se alimentam guano e os Guanófilos que vivem mais afastados e são os predadores dos Guanóbios. A fauna do guano não é considerada troglóbia.


Colêmbolo guanóbio
Algar da Lagoa

 

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8. Adaptações dos Troglóbios - Troglomorfismos

Os troglóbios evoluíram no sentido de se adaptarem ao meio onde vivem. Especializaram-se de tal forma que são incapazes de sobreviver no exterior.

Todo o seu ciclo de vida se desenvolve no interior das cavidades.

As populações de troglóbios são reduzidas em número e muitas vezes também o são em diversidade. O conjunto de adaptações morfológicas, fisiológicas e ecológicas que os troglóbios apresentam são designadas troglomorfismos e são fruto de uma evolução designada regressiva.

Os principais troglomorfismos são:

  • Despigmentação
  • Redução oftálmica ou Anoftalmia
  • Alongamento dos apêndices e do corpo
  • Inviabilização das asas ou apterismo em insectos
  • Redução ou aumento de tamanho
  • Instares larvares reduzidos
  • Estratégia de reprodução tipo K - menos ovos, com maior quantidade de nutrientes
  • Elevada capacidade de armazenamento de nutrientes
  • Grande capacidade de resistência ao jejum
  • Fisiogastria - dilatação do abdómen em fêmeas de insectos
  • Taxa metabólica baixa
  • Maior longevidade
  • Fraca resistência à dessecação

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9. Proteus - um troglóbio emblemático

É o troglóbio mais emblemático e o único vertebrado troglóbio da Europa.

Endémico da Eslovénia é o símbolo do país.

Habita cavidades e vive preferencialmente dentro de água.

É um anfíbio urodelo, despigmentado e anoftálmico. Possui características primitivas no seu estado adulto.

Respira por três tipos diferentes de processos de trocas gasosas: através das 6 brânquias externas que lhe permitem respirar dentro de água, através de 1 par de pulmões funcionais e e através da pele, por hematose cutânea.

Atinge a maturidade sexual entre os 14 e os 18 anos e é simultaneamente ovíparo e vivíparo, isto é, tanto pode por ovos como ter gestação embrionária.

Tem uma elevada resistência a jejuns prolongados, pode passar um ano sem se alimentar. Mede cerca de 30 centímetros e pode chegar aos 100 anos de idade.

A sua existência foi durante muitos anos envolta em mistério, era tido pelas populações locais como um juvenil de grandes dragões que habitavam as cavernas.

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10. Vulnerabilidade do património bioespeleológico

A incapacidade de sobreviver fora do ambiente subterrâneo, torna a fauna troglóbia extremamente vulnerável a qualquer alteração do seu meio.

As principais ameaças são:

1. Poluição antropogénica - que se infiltra através de percolação ou que é propositadamente, introduzida no meio cavernícola, como por exemplo: esgotos canalizados para o interior de cursos de água subterrâneos, descargas ilegais, fertilizantes utilizados na agricultura, esgotos industriais e urbanos.

2. Extracção de inertes - conduz à total destruição dos sistemas subterrâneos.


Exemplo de uma, das muitas, pedreiras do
Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros (PNSAC)


3. Desflorestação e destruição/alteração do coberto vegetal - provoca alterações no pH do solo e consequentemente no pH da água que se infiltra no meio subterrâneo.

4. Vandalismo - em todas as suas formas.

5. Turismo espeleológico - em todas as suas formas.

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Texto e fotos: S. Reboleira