Almonda

Gruta da Nascente do Almonda

Esta cavidade, com um desenvolvimento superior a 10 km no seu conjunto, constitui um autêntico santuário da espeleologia nacional sendo uma das principais nascentes portuguesas e a mais extensa rede cársica conhecida em Portugal.

A nascente abriga um espectacular labirinto subterrâneo do qual, ao longo de uma rede de várias ribeiras subterrâneas, nasce o Rio Almonda, com um débito mínimo de 10 000 metros cúbicos/dia em época de estiagem.

Situada no rebordo sudeste do anticlinal da Serra de Aire, Vale da Serra, na área do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, foi classificada em 30 de Novembro de 1993 como Imóvel de Interesse Público.

Para além da sua importância no sistema aquífero destaca-se ainda a existência de concreções de rara beleza (p.e. as da "Sala Dourada"), colónias de morcegos, marcas de garras e "camas" de Ursus spelaeus e ainda várias jazidas arqueológicas de importância internacional, percorrendo épocas que vão do Paleolítico Inferior até à Época Romana.

Em tempos idos a região "Era uma terra de caçadores, nas margens do Almonda, com manadas de cavalos a pastar ao longo do rio. Um bosque aberto, parecido com a savana de África, com grandes carnívoros como leões, panteras, hienas, e pequenos grupos humanos. Em tudo o que é hoje a área do concelho, haveria talvez vinte pessoas, que exploravam tudo, gruta em gruta, ao ar livre, vivendo da caça. Ao longo do tempo inventando coisas novas, desenvolvendo tecnologias"

(Zilhão, J.)*

A primeira exploração científica conhecida da gruta do Almonda data de 1937 com a intervenção dos arqueólogos M. Vaultier e J. Bensaude, que percorrem os primeiros 50m de galerias até ao primeiro lago.

Ajudados pelo Reverendo Eugenio Jallay, pelo engenheiro Melo Nogueira e pelo professor G. Zbyszewski, estes arqueólogos percorrem meticulosamente a galeria de entrada, encontrando vestígios arqueológicos que remontam da idade do bronze até à nossa época.

Em 1955, a empresa Renova encomenda um estudo à S.P.E com a finalidade de avaliar o potencial hidrológico da nascente. No mesmo ano Pereira de Sousa e F.J. R. de Abreu percorrem o primeiro lago em canoa, não indo contudo além dos seus antecessores.

Em 1961, K. Lindberg acompanhado de J. de Almeida Fernandes organizam a primeira expedição bioespeleológica na Gruta do Almonda.

Ainda em 1961, Álvaro Vilar Moreira, José Carlos Belchior e Vasco Fernandes, professores do Colégio São João de Brito em Lisboa, chegam a uma pequena sala no labirinto depois de terem descoberto uma estreita passagem.

O mesmo Álvaro Vilar Moreira, no seguimento de diversas explorações, consegue, em 1962, descobrir uma passagem que lhe permite ultrapassar o sifão que constitui o primeiro lago. Descobre então o labirinto e a galeria do Norte.

Na década de 60 e 70, a Gruta do Almonda assume, definitivamente, uma importância vital na espeleologia portuguesa. Várias tentativas de topografia são realizadas, contudo a complexidade do labirinto vota-as ao insucesso.

Na década de 80, são encetadas as primeiras tentativas de ultrapassar os sifões terminais da galeria do Norte.

João Neves e Christian Thomas, com o auxílio do CEAE, NEL, GIDC, GEZ e NEUA, desenvolvem diversas explorações envolvendo espeleomergulho que levam a descobertas como a ribeira fóssil do Oeste, o sifão do Natal, a sala da Páscoa, etc.

Vários quilómetros de galerias são descobertas e topografadas, diversos sifões são ultrapassados, o labirinto atinge 50m de desnível mas continua descoberta apenas uma ínfima parte da cavidade.

Em 1987, a STEA descobre os primeiro utensílios em pedra o que desencadeia, um ano mais tarde, o início dos trabalhos espeleológicos na Gruta do Almonda.

A partir de 1988, excepto com dois anos de interregno por problemas de financiamento, e sob a responsabilidade de João Zilhão têm ocorrido campanhas arqueológicas no sistema cársico do Almonda.

A relevância dos achados é tal que "Em termos arqueológicos, para a pré-história, este é um sistema de jazidas único no país e com poucos paralelos a nível mundial." (Zilhão, J.)*

As pessoas que vêm à nascente vêem a água a brotar por cima da parede da represa e o lago, que tapa a galeria por onde actualmente o rio desemboca à superfície. Ali confluem dois rios subterrâneos. Como é uma escarpa muito alta, o rio hoje está a nascer aquela cota, mas em anos anteriores ele nascia mais alto. De cima para baixo, vamos tendo vestígios de habitação de há 200/300 mil anos. A meia encosta está a Gruta da Oliveira onde encontramos vestígios de 30 mil a 100 mil anos, depois, logo por cima da nascente há duas - uma que está em exploração, que é a Lapa dos Coelhos e que corresponde ao período a seguir (10 mil a 30 mil anos) e, logo por cima da nascente, a Galeria da Cisterna, onde encontrámos, nas primeiras escavações, um cemitério da época dos primeiros agricultores (de há 6 mil, 7 mil anos). Esta diacronia num único lugar, é caso único em Portugal. Há um caso parecido em Espanha, que é a Tapuerca e não conheço na Europa outra situação parecida. Temos aqui todas as etapas da pré-história

(Zilhão, J.)*

Em paralelo com a exploração arqueológica decorria a exploração espeleológica. Vários anos e outras tantas explorações elevam a Gruta do Almonda ao lugar cimeiro das cavidades portuguesas, em extensão.

Em 2006, no seguimento de uma formação de mergulho em gruta iniciada no México, diversos membros do NEUA, SAGA e GES, com o intuito continuar a sua formação e simultaneamente efectuar a topografia de toda a área submersa desde a entrada da gruta, labirinto, Hiperespaço e galerias subsequentes, procedem à desobstrução da entrada submersa do labirinto.

Para tal são deslocadas toneladas de pedra ao longo de diversas incursões e muitos dias de árduo trabalho. Nestas operações recorreu-se a métodos que vão do simples transporte manual à utilização de balões de elevação, com capacidades individuais de deslocação que chegaram a atingir os 500kg, para a movimentação dos blocos de maiores dimensões.

O sucesso destes trabalhos, que têm contado com o apoio do PNSAC e da Renova, conduz, finalmente, à abertura de uma pequena e precária passagem. É então possível iniciar o processo de topografia subaquática ao mesmo tempo que fica franqueado o acesso a todos quantos pretendam visitar a cavidade.

A vastidão de um labirinto que se desenvolve em vários níveis e que parece não mais acabar, tem colocado sérios entraves ao rápido desenrolar do processo topográfico. Para alguns, os trabalhos continuam...


Ver fotografias. Autores: L. Neves, M. Leotte, M. Costa, M. Lopes, P. Santos. (fotos sem qualquer edição para além de um eventual crop) Topografias. Esboços parciais em 3D Render. Objectivo: divulgação.

Nota: a nascente do Almonda era originalmente conhecida como Olho do Moinho da Fonte.

* Fonte: Inês Vidal (22 Ago 2008) in Jornal Torrejano: http://www.jornaltorrejano.pt/edicao/noticia/?id=594&ed=633